De todos os alimentos preparados pela mão humana e de todos os que não são comestíveis tal como a natureza os propõe, o queijo é, sem dúvida, o que mais fielmente evoca a paisagem onde pastam vacas, ovelhas e cabras que fornecem o leite de que é feito. Atrás de cada queijo há forçosamente uma pastagem de um verde especial, uma colina, um vale, todo um imaginário precioso e insubstituível. Alain Ducasse
Este é o ponto de partida da conversa com Adolfo Henriques, o único produtor de chèvre artesanal em Portugal. Na colina de Maçussa e vales em redor, perto da Azambuja, passeiam-se as cabras que fornecem o leite generoso para este queijo único de pasta mole. Em Portugal existem cerca de 40 tipos de queijo. Se a técnica não é de origem portuguesa, já as mãos e matéria prima deste chèvre são-no, e isso faz toda a diferença. Eis o queijo de cabra Granja dos Moinhos À Mesa Portuguesa.
“A ligação à terra, as coisas que são feitas com amor e tudo o que nos envolve… É preciso ter sensibilidade para perceber este mundo. Nas trovoadas de Abril e Maio, por exemplo, foi um desatino com os queijos por causa das coalhadas, até mesmo sobre nós humanos é, mas muitas vezes não damos conta disso… Este ano está a ser atípico em tudo. O facto de estarmos num ano bissexto e a conjugação dos astros influencia tudo.”
Adolfo é um filho da terra que contra a vontade do pai, após estudos e trabalho na cidade, regressou às origens. Filho de um produtor de vinho da Azambuja, faz parte da primeira geração a sair de casa para estudar. “Por causa do meu regresso à terra, decisão que o meu pai contestou, muitas vezes olho para o espelho e dou-lhe razão. Trabalhar este queijo não tem sido fácil. Tem havido muitas peripécias ao longo do percurso. Surgem problemas e eu estou sozinho para resolvê-los. Ainda posso ligar para França, com o meu francês macarrónico, mas os técnicos, que são muito técnicos, não conseguem ajudar grande coisa. “
Com uma voz serena que só o campo proporciona, Adolfo partilha connosco este amor e dedicação agridoces. Em produção há quase 40 anos, da queijaria saem 70 a 80 queijos por dia, por vezes 100, que são distribuídos para clientes fieis na área da restauração e hotelaria. Mudaram-se os tempos e as vontades mas a produção continua pequena e artesanal, com duas a três pessoas envolvidas no fabrico do queijo. É também pela estrada de sempre, de Maçussa até Lisboa, que viajam alguns destes queijos. Mudam as estações do ano, e muda o cenário da estrada que também leva visitas até ao Baile, uma antiga adega onde recebe a família e amigos, e determinados grupos e eventos. A meio discurso, e a propósito das papoilas que enfeitam a estrada, Adolfo conta a recepção de um grupo de brasileiros que recebeu na semana anterior – em jeito de brincadeira diz aos turistas que mandou plantar as papoilas e eles, cheios de sorte, chegarem a tempo de as ver floridas. É também no Baile que serve o seu queijo e outras iguarias saídas das suas mãos como a gaspiada ou a manja. Se também cozinha? “Que remédio”.
Os primeiros queijos foram comidos em família e amigos e os restantes seguiram para a capital. “Fazer foi relativamente fácil. E depois vender? Ninguém me conhecia como produtor.” Como vivera em Lisboa, Adolfo conhecia alguns restaurantes e começou a propor-lhes a compra do queijo. “Comer queijo com carvão? Um queijo com bolor? Foi uma aventura e muito complicado.” Para além de produtor de chèvre, Adolfo foi uma espécie de bandeirante que desbravou o gosto por este queijo em Portugal. Teve de bater às capelinhas e explicar o tesouro que tinha nas mãos. O chef Michel foi dos primeiros a comprar-lhe o queijo e a usá-lo confeccionado, e depois algumas charcutarias tradicionais.
O que distingue esta preciosidade portuguesa de um chèvre francês? “Temos um leite muito bom. As cabras andam em pastoreio e no mato, são ordenhadas de manhã e o queijo é feito logo a seguir. Apalpar os queijos todos, senti-los, enfim, ser tudo artesanal… Mas a diferença está, sobretudo, na qualidade dos alimentos das cabras.” E para reforçar o valor do que tem em mãos conta-nos que há tempos uma especialista francesa visitou-o com um jornalista português. Depois de provar o queijo, a francesa perguntou pela origem do queijo. “Tive de lavá-la à queijaria para lhe provar que o queijo era de cá.”
Hoje em dia tem uma parceria com um pastor mas chegou ele mesmo a pastorar as suas próprias cabras. “A dada altura, durante uns meses largos, não tinha pastor e fui eu a fazer o trabalho. Foi o melhor tempo da minha vida. Levava um farnel, uns livros para ler, conhecia os pássaros todos, as flores, conhecia as cabras todas pelo nome. Era uma vida santa. Saía de manhã e voltava à noite. Era o que devia ter feito, ser pastor para o resto da vida, levava uma vida no campo sem ter chatices. Mas depois a gente tem sempre a mania de fazer coisas…”
Se forem todas como este queijo, que mantenha a mania!
O queijo à mesa para Adolfo Henriques:
A melhor forma de apreciar o queijo é sempre ao natural, numa tábua de queijo. Eu gosto muito de comer o queijo quando ele está velho, com 10 meses, um ano. Gosto dos queijos fortes, com sabor. Quanto a regras, são sou nada conservador no que toca ao vinho que o deve acompanhar. Depende do gosto da pessoa. Se for um branco bom, branco velho ou encorpado ligará bem, mas se for um tinto também. Agora arranjam estas combinações de que o queijo e a comida têm de ser servidos com este ou aquele vinho – pode ter alguma razão de ser mas não é tabu! Não sou fundamentalista neste aspecto.
Com a restauração e depois da revolução na cozinha, começaram a aparecer chefs com proposta cozinhadas, Michel e Vítor Sobral foram exemplo disso. Em 2007, Adolfo acabou por publicar um livro em parceria com vários chefs, em que propõe 60 receitas diferentes com o queijo de cabra. “Puro Chèvre – Receitas com Queijo de Cabra”.
E já agora, para quem gosta de seguir as regras, aqui ficam algumas notas sobre como servir queijo:
Os queijos devem ser servidos à temperatura ambiente, e portanto devem ser retirados do frio e das embalagens com pelo menos meia hora de antecedência (conforme a temperatura). Para cada queijo usar uma faca, de preferência de corte liso. A tábua deverá ser de vidro, porcelana, faiança, madeira ou vime – materiais que proporcionam uma boa limpeza entre cada utilização. Evitar a prata ou qualquer metal já que interfere no sabor do queijo. O prato/tábua convém ter bordos ou bordos baixos e lisos para facilitar o corte.
Fotografia ©Teresa Novak