As mãos da Maria

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As mãos da Maria Castel-Branco já fizeram multimédia, design gráfico para agora dançarem à volta da roda de oleiro, de onde saem peças únicas, ou não fosse a ligação à terra a sua paixão. As mãos da Maria fazem peças lindas!

Nas mãos corre-lhe o sangue de José de Guimarães, nas cerâmicas por elas moldadas fica a inspiração no dia-a-dia, na rua e nas texturas que a rodeiam. Cada dia é único, com muitas nuances e imperfeições, talvez por isso goste de criar peças imperfeitas e originais e que só o trabalho artesanal permite.

Perguntámos-lhe pela sua peça de mesa de eleição – um bule de cerâmica inspirado no conjunto de chá da sua Avó Luísa, com quem lanchava regularmente na meninice, e a quem roubava as bolachas caseiras, escondidas na dispensa.

O bule foi das primeiras peças que criou e por isso não está à venda. Mas todas as outras peças da ceramista Maria Castel-Branco pode encontrar na sua página de FB, na Pura Cal, na Noto-Lisboa e na Loja do Museu de Serralves.

AMP – Maria, tens esta peça nas tuas mãos, uma peça criada por elas, um bule – que história tem este bule?

Maria Castel-Branco – Quando era miúda, ia muitas vezes a casa da minha avó Luísa. A minha avó tinha um bule e todo um conjunto de chá em prata, ao estilo inglês, que eu adorava. Quando comecei a fazer cerâmica fiz este bule inspirado no bule da avó Luísa. Penso que foi a segunda peça que fiz. Faz-me recordar os momentos óptimos que tínhamos, entre primos, lá em casa da minha avó. Servia-nos chá com bolachas – dava-nos uma ou duas e escondia as outras na dispensa, caso contrário, em 10 minutos, desapareciam. Claro que depois íamos à dispensa e roubávamos mais. Era um ritual que tínhamos, sempre que íamos a casa dela na Av. Guerra Junqueiro. Era difícil juntar os netos todos, que são muitos, mas era lá que nos juntávamos. O mesmo acontecia quando estávamos doentes – havia direito a chá e bolachinhas. A minha avó era uma pessoa muito querida… Muito pequenininha.

Este bule é uma peça que eu adoro, saiu do forno e foi directo para casa. Este não o vendo! Já mo quiseram comprar várias vezes, mas este não vendo!

AMP – E já agora, conta-nos a história das tuas mãos – o que andaram elas a fazer nestes últimos anos?

MCB – Andaram não sei quantos anos a tratar de crianças. Depois dos filhos tratados e prontos para ir para a escola, tirei um curso profissional de Multimédia e Design Gráfico. Durante 10 anos trabalhei em agências. Acabei por deixar o design de lado por não me valorizar.

Nessa altura comecei a trabalhar com um pintor, na área administrativa, inventários das peças, etc. Como não se tratava de uma área criativa, achei que tinha de fazer alguma coisa. Durante uma ano e meio estive no Bairro da Cova da Moura, na Associação da Cova da Moura , a orientar raparigas em aulas de trabalhos manuais. Entretanto fui mãe mais uma vez e tive de deixar este trabalho. Senti imensas saudades do lado criativo que a experiência proporcionou. Nessa altura comecei a fazer decoração de bolos. Lá está, mais uma vez, um trabalho de mãos. Mas cada vez que eu via alguém destruir e comer o meu bolo, o meu coração partia-se ao meio. E pensei “Não! Até que um dia tropecei na cerâmica.

AMP – Falaste no teu trabalho com um pintor com quem continuas a trabalhar – aqui para nós e que ninguém nos ouve! – José de Guimarães é teu pai. Há alguma influência em ti e no trabalho do artista plástico José de Guimarães? Há uma herança genética aliada ou convívio no trabalho com ele?

MCB – A única influência que sinto é o gosto de criar.

Desde pequenina que eu vejo coisas a serem criadas à minha volta. O atelier do meu pai era em casa e, por isso, passávamos horas ao lado dele, a vê-lo trabalhar, a mexer e a criar. Havias peças espalhadas por todo o lado… No meu trabalho há algumas influência pontuais, como uma caixa africana e um bule que se tratam de formas inspiradas nas coleções suas, que são três, a Pré-Colombiana, a Africana e a Chinesa. A caixa, por exemplo, é inspirada numa estátua africana que tem uma figura com uma caixa na cabeça – isto porque toda a vida tropecei em bonecos, ou melhor estatuetas. – “Maria, isto não são bonecos, Maria. Bonecos tem a tua filha lá em casa.” Diria o meu pai se me estivesse a ouvir.

O meu pai gosta imenso das minhas peças e dá-me força para eu continuar, e inclusivamente cedeu-me um dia da semana, em que não trabalho para ele, para eu poder trabalhar nas cerâmicas. As sextas-feiras são o dia que tenho para criar as minhas próprias peças. De resto, inspiro-me em pormenores que vejo, como uma roupa de uma pessoa, texturas, tecidos. Vou fazendo peças de que gosto, tiradas do dia-a-dia.

Penso e desenho as peças. Acontece, por vezes, a peça imaginada inicialmente sair completamente diferente e gostar ainda mais dela. Não tenho cinco peças iguais, portanto não tenho uma linha de fabrico – e há peças das quais não consigo desfazer-me. O meu marido diz-me “desculpa lá, isto não é nenhum armazém!”

AMP – Li numa entrevista ao teu pai o seguinte: Nada acontece naturalmente. As coisas só acontecem porque trabalhamos para isso – Foi por acaso que começaste a trabalhar em cerâmica ou foste à procura?

MCB – Nunca tinha pensado em cerâmica, inclusivamente fazia-me impressão tocar no barro e depois sentir o barro seco nas mãos e achei que nunca iria conseguir trabalhá-lo. Até que um dia vi uma fotografia de uma amiga minha num curso. A fotografia chamou-me à atenção pelas formas, pelo material, tudo, até que comecei a ver coisas na internet, e pensei, porque é que não vou aprender? Se as mãos secarem, vai-se molhando. Estive dois anos em formação no Atelier Caulino, onde depois do trabalho ia para as aulas. Este bule ainda foi feito lá, enquanto aprendia.

AMP – De volta à mesa. Tens três filhos com idades muitos diferentes, a Maria com 2 anos, o Bernardo com 18 e a Inês com 21 – como acontece a vida à volta da mesa?

Gosto muito de estar à mesa e sempre ouvi a minha mãe dizer que o avô dela dizia “à mesa nunca ninguém se fez velho” – e eu adoro receber, fazer jantares, estar à mesa até às quinhentas, na conversa… Gosto muito mais disso do que ir sair. Mas no dia-a-dia, estar à mesa pode ser uma luta e uma festa. Às vezes começamos uma refeição serenamente e acaba tudo a discutir. Mas faz parte de vida de uma família com três filhos, em que uma é já adulta, outro é adolescente e a última é um bebé.

Fotografia de Teresa Novak

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