Perfumes da Avó Mariana

 

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A memória olfativa tem o poder de nos transportar, em segundos, para qualquer lugar da nossa cronologia temporal.

Ainda hoje passeio pela cozinha da minha avó Mariana quando sinto o cheiro do café de cevada ou do chá Príncipe acabado de fazer. É como se, automaticamente, ainda me enroscasse nela, com uma conivência sublimada, a sorrir para dentro, para a minha mãe não saber que me dava a provar, com um pouco de leite, o café de cevada. Neste caso regresso aos meus 7/8 anos.

A minha avó era uma mulher sui generis e muito especial. A vida marcou-a muito mas nunca deixou de marcar o prazer nas coisas que fazia / nos fazia. Tivemos uma história juntas até aos meus 11 anos, 85 dela. Não teve tempo para me ensinar muita coisa mas deu-me memórias que, até hoje, me habitam frescas e humildes, tal como ela.

As suas refeições eram sempre rematadas com uma fatia de pão. Tinha o hábito de fazer aquilo que eu hoje chamo de “pequenas tibornas” ou “montaditos”. Encaixava, por camadas milimétricas, os pedaços de comida, numa torre de sabores.

Sem ter grande consciência disso, a não ser que me lembrem, reproduzo esta ação de companhia e conforto.

Quando fui estudar para Bratislava, como complemento do meu mestrado, passei três meses com saudades de comer peixe. Como é um país da Europa Central, o peixe fresco não abunda, as alternativas são congeladas, importadas e, por isso, sem grande interesse.

No primeiro mês almoçava e jantava no restaurante vegetariano perto da faculdade porque não consegui usar a cozinha da residência de estudantes, onde estava alojada. Não tinha quaisquer utensílios e não me sentia minimamente à vontade para cozinhar no meio de uma multidão algo “desorganizada”. Rápido percebi que o dinheiro ia escassear – ainda me faltavam dois meses e meio para voltar a casa – e que a “desorganização” não ia saltar para dentro das minhas panelas.

Meti as “mariquices” de lado e comprei o necessário. Descobri que a Eslováquia tem uma panóplia maravilhosa de frutas e legumes e que o frango é um dos produtos mais utilizados na cozinha. Tentei variar o mais possível para não adoecer – tinha pavor de adoecer longe de casa – e me adaptar às temperaturas negativas. Optei sempre pelo conforto das memórias e pela conjugação entre os sabores frescos, picantes e crocantes.

Aos fins de semana a residência tinha tendência para ficar mais vazia. Os estudantes estrangeiros aproveitavam para viajar pelos países vizinhos e os locais iam a casa. Normalmente intercalava o conforto com a vizinha Áustria e, se não estava em Viena, metida em algum museu, a deambular pelas ruas ou a contornar o inquieto Danúbio, enfiava-me na cozinha a perfumar o inverno e a neve que revestia o bosque contíguo.

A receita mais prazeirosa eram as torradas com chutney de tomate e manjericão que acompanhavam umas espetadas de frango em crumble de pistachio. O remate não podia ser mais óbvio: uma chávena de chá príncipe [apanhado fresco dias antes de viajar].

Aqui fica a receita!

Chutney de Tomate

Ingredientes:

100 grs de peito de frango;

500 grs de tomates cereja;

3 cm de raíz fresca de gengibre;

1 lima;

folhas de manjericão;

mel q.b.

sal q.b.

Açúcar amarelo;

1 colher de sopa de óleo de abóbora;

3 dentes de alho;

Azeite q.b.

Paus de espetada;

Pistachios

 

Preparação:

Aquecer o forno a 220º e preparar um tabuleiro de forno com papel vegetal. Cortar os tomates cereja ao meio e retirar-lhes as sementes. Regue os tomates com azeite a gosto e salpique-os com açúcar amarelo, mel e sal. Levar ao forno por 15 minutos e deixar repousar o máximo de tempo possível. O ideal será deixá-los durante a noite para que desidratem mas não totalmente.

Num processador de comida ou “1,2,3”, triture os tomates com os alhos e óleo de abóbora. Retifique o sal e o mel. Misture tudo muito bem. Esterilize um frasco de vidro, em água a ferver, deixe secar e aguarde que arrefeça por completo. Coloque o preparado. Junte-lhe azeite, as folhas de manjericão e mais alho, às rodelas, se preferir.

Triture os pistachios, em pedaços generosos. Aqueça uma frigideira e salteie-os por breves segundos apenas para soltarem os óleos. Corte o peito de frango aos quadrados e tempere, de preferência com duas horas de antecedência, com sal, sumo de lima e gengibre ralado. Reserve a lima para usar a casca. Coloque o frango nos paus das espetadas.

Aqueça o forno a 180º e, num tabuleiro com grelha, coloque-as. Certifique-se que ficam douradas de todos os lados. Quando prontas pincele com mel e passe-as pelos pistachios. Como remate, raspe a casca da lima por cima.

Torre fatias de pão, barre-as generosamente com o chutney de tomate e sirva com as espetadas.

Por Gabriela Pereira,  copywriter, Ilustradora e apaixonada por fotografia, que adora contar histórias através das imagens e das palavras, @agabri_ella / http://www.behance.net/speculum

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