Sabia que Portugal, para além de uma bandeira e de um hino, tem um vinho nacional?

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Se conhecermos a história da Companhia das Lezírias, se conversarmos com quem trabalha na maior exploração agro-pecuária e florestal existente em Portugal, concluímos, e com orgulho, que temos um vinho nosso, um vinho nacional, de todos os portugueses. Não sabia?

A Companhia das Lezírias começa por ser composta por terras da Coroa Portuguesa – contavam-se cerca de 48.000 hectares. Nestas terras fazia-se agricultura cujos proventos alimentavam a coroa. Em 1836, face à crise interna, a Rainha D. Maria II autoriza a venda das propriedades em hasta pública. Alguns patriotas, defensores da causa e em defesa do património, compram as terras e formam a Companhia das Lezírias do Tejo e do Sado. Em 1975, o Estado nacionaliza a Companhia, e desde 1978 que é uma empresa composta 100% por capitais públicos, e portanto, de todos os portugueses – da exploração florestal, passando pela pecuária e acabando nos vinhos. É por esta razão que dizemos, há um vinho que é de todos os portugueses – e não é qualquer país que se pode gabar disso.

Porque disso nos devemos orgulhar e porque o “nosso” enólogo foi eleito “Melhor Enólogo 2015” pela Revista de Vinhos, fomos conversar com Bernardo Cabral, o enólogo da Companhia das Lezírias. Foi também graças ao trabalho que a Companhia das Lezírias (CL) lhe proporcionou que este prémio foi parar às suas mãos. E aqui, vamos directos a um vinho/rótulo específico: o Tyto Alba, o vinho que passa a mensagem da Companhia das Lezírias.

O vinho provém de uma vinha que está 360º envolvida por floresta. A sua influência no produto final é enorme. Não só porque protege a vinha contra a entrada de doenças indesejadas, como também por ser fornecedora de uma especial biodiversidade. Na floresta refugiam-se muitas espécies que são importantes para o equilíbrio do ecossistema, nomeadamente a coruja das torres, e daí que este vinho ganhe o nome científico da coruja, Tyto Alba.

A maior densidade europeia da coruja foi detectada na C.L e a sua relação com o ecossistema das vinhas é enorme. A coruja está no topo da cadeia alimentar e se ela fizer um bom trabalho, a cadeia vai funcionar de forma equilibrada daí para baixo. O próprio regurgitar da coruja dá indicadores de toxicidade do ecossistema. Tratam-se, portanto, de vinhas muito menos intervencionadas do ponto de vista dos fitofármacos por exemplo, conseguindo-se obter vinhos com muito poucas adições e com fermentações espontâneas. Tyto Alba é o vinho porta estandarte da CL que leva em cada garrafa a mensagem de biodiversidade da C.L. e do trabalho que aqui se faz.

E entretanto, acompanhados com um Rosé Tyto Alba, sentámo-nos à mesa com Bernardo Cabral.

AMP – Como é que se chega a um perfil de um vinho?

A enologia não é como outros cursos, como gestão por exemplo, em que se consegue encontrar gente nova bem sucedida. Os enólogos começam a aparecer com a idade, depois de alguma experiência. Quando comecei, trabalhava para pessoas, seguia um pouco os meus tutores. Os anos foram passando e fui-me encontrando e identificando com determinados valores. Mudei muito nos últimos anos. A coisa mais importante para mim é a simplicidade, é a humildade, e respeitar ao máximo as uvas que temos para trabalhar, a natureza que envolve e onde tudo aquilo está a crescer. Se estou a fazer vinhos na Companhia das Lezírias não quero que os vinhos sejam iguais aos vinhos do Douro, caso contrário perde-se a genuinidade. Portanto, há que olhar para o que temos à frente e tentar, enquanto enólogos, não estragar. O que a maturidade nos dá é a capacidade de parar, olhar e observar. Enquanto somos novos temos muita testosterona, muita energia e garra, e atiramo-nos logo e, por vezes, nem vemos que temos à nossa frente uma coisa de borla. Há ainda um aspecto delicado que é criar consensos com o produtor, passando a minha opinião. Depois é uma gestão de todo o património vitícola. Pode-se, por exemplo, pôr a vinha a produzir brutalidades mas depois perde-se características e qualidade. A marcação do dia em que começa a vindima é fundamental, por exemplo. É um dos pontos cruciais do cunho do enólogo. Claro que depois, num perfil, há também a mão do Bernardo Cabral.

AMP – O vinho português tem a sua identidade, isto é, quando provamos um vinho é possível dizermos que estamos perante um vinho português?

Bernardo Cabral – Já foi mais fácil identificar os vinhos portugueses em prova cega. Por vezes baralhamos as regiões, sobretudo quando se tratam de vinhos do sul, Alentejo, Península de Setúbal ou Algarve, que têm características que, se tivermos em conta o calor e introduzindo algumas castas estrangeiras, uniformizam-se os sabores. Há também uma enologia composta de adegas modernas que cria pouca diferença entre os vinhos. Mas quando provamos Portugal, de forma geral, há um cunho nos nossos vinhos. Sentimos que os nossos vinhos são um bocadinho mais rústicos, enquanto os outros vinhos estrangeiros são muito “afinadinhos”, embora o vinho português esteja a ficar mais afinado. O que se passa exatamente com a comida. Há que encontrar o meio termo – demasiada rusticidade pouca gente gosta. Há que encontrar um meio termo em que se consegue passar esta rusticidade capaz de ser apreciada pelo comum dos mortais, e ser valorizada por isso.

AMP – Podemos falar de um regresso às origens, em que se está a redescobrir o encanto das castas antigas, como a casta algarvia Negra Mole?

B.C. – Completamente. Já demos vários tiros nos pés. O nosso sentimento de pequenez e de subserviência perante o estrangeiro fez com que houvesse grande incorporação de castas em Portugal. Passámos muitos anos em que não ligámos às nossas vinhas, sendo que o património está nas vinhas. A casta Negra Mole é um bom exemplo.

AMP – Da tua experiência como enólogo e obviamente como comensal, qual o papel de um vinho numa refeição?

B.C. – O vinho tem o papel fundamental de equilibrar e complementar sabores, sensações e texturas. Com a escolha adequada de um vinho, conseguimos potenciar todos os sabores quer do vinho quer da comida, elevando aquele momento para uma experiencia inesquecível.


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